Altas Habilidades/Superdotação (AH/SD): muitos mitos cercam estes termos. Muitas dúvidas, mistério, desinformação, invisibilidade, algumas discussões semânticas, termos afins confusos, diagnósticos equivocados, camuflagem, dupla excepcionalidade… enfim, o que se sabe realmente sobre este tema? Quem são essas pessoas? Como podem ser identificadas?
Finais do século XIX, início do século XX os estudos sobre a origem do conhecimento e pesquisas sobre a inteligência vão sendo desenvolvidos, e os termos altas habilidades/superdotação, universalmente, passam a ser usados para definir os talentos e habilidades específicas e acima da média, que um quantitativo razoável de pessoas apresenta.
A Organização Mundial de Saúde (OMS) aponta que aproximadamente de 3 a 5% da população se encaixa no perfil de superdotação, apresentando potencial acima da média em áreas do conhecimento humano – intelectual, liderança, psicomotora, artes e criatividade – isoladas ou combinadas.
E onde estão estas pessoas? Será que estão nas escolas? Como podemos identificá-los? É importante reconhecê-los? Para que? Por quê?
São perguntas que os pesquisadores vêm respondendo e informando ao mundo. E os professores precisam, urgentemente, se apropriar deste conhecimento.
Alunos indisciplinados, entediados, desatentos, desmotivados, submetidos a bullying, com dificuldades de aprendizagem, reprovados e evadidos. Alunos com muita facilidade de aprender, questionadores, focados em determinados assuntos, quase especialistas. Alunos que não fazem nada, só desenham a aula toda. Não prestam atenção no assunto tratado, e mesmo assim respondem as perguntas! Será que alguns deles tem AH/SD? É possível!!!
Existem leis que garantem a identificação e atendimento a estes alunos. Isto tem sido feito na Escola? A escola inclusiva precisa buscar identificar e buscar soluções para o atendimento dos alunos com AH/SD.
Sobre a organização da identificação e do atendimento
O termo altas habilidades é definido em lei: Alunos com altas habilidades/superdotação: aqueles que apresentam um potencial elevado e grande envolvimento com áreas de conhecimento humano, isoladas ou combinadas: intelectual, liderança, psicomotora, artes e criatividade.(BRASIL,2009)
A legislação brasileira prevê que alunos com altas habilidades e superdotação sejam identificados e atendidos, como informa Souza e Delou, “a lei nº 13.234, de 29 de dezembro de 2015, altera a Lei de Diretrizes e Bases, instituindo a obrigatoriedade da identificação, cadastro e atendimento de alunos com altas habilidades ou superdotação, seja na educação básica ou na superior, reforçando o que já dizia em seu artigo 4: […]” (2016), no entanto, os professores precisam estar preparados para reconhecê-los, para que possam cumprir as determinações da lei, pois a existência da lei não garante seu efetivo cumprimento. “Sabemos que o tema altas habilidades/superdotação é ainda pouco discutido em nossas universidades, o que produz uma lacuna na formação dos professores. Muitos saem dos seus cursos sem terem a oportunidade de conhecer esta área tão importante do desenvolvimento da criança.” (VIRGOLIM, 2007, p.10)
Em 2018, constatei, através de pesquisa para dissertação de mestrado, que há um desconhecimento em relação ao assunto por parte dos professores. A capacitação se torna, portanto, necessária, assim como é fundamental desfazer alguns mitos existentes em relação ao tema, porque os professores são as pessoas mais indicadas, quando preparadas, para identificar as AH/SD.
O professor está em sala de aula: convive com os alunos, vê o que fazem, como fazem, como se expressam, como se relacionam e, a partir desta convivência, dinamizam o processo avaliativo.(DELOU, 1987)
“Em 2014, 13.308 crianças foram identificadas como superdotadas nas escolas públicas e privadas do Brasil (apenas na educação básica).”(BAIO, 2016). Segundo especialistas, o número, embora maior do que do ano de 2000 (758) ainda é pequeno, pois a estimativa “segundo pesquisas da APAHSD (Associação Paulista para Altas Habilidades/Superdotação), é de 10% da população, em média” ter algum tipo de inteligência excepcional em campos como artes, esporte, músicas e não só em disciplinas escolares, como português, matemática, história e outras.
Antipoff e Campos (2010) afirmam que “é até comum encontrar superdotados numa determinada área, que apresentam dificuldades e até distúrbio de aprendizagem em outras”, sendo assim, nosso olhar se volta para a dificuldade primeiro, já que em nosso sistema inclusivo tem sido dado ênfase às dificuldades.
De certa forma, pode-se entender este movimento, pois as deficiências, durante muito tempo, não estiveram na escola, enquanto as AH/SD sempre estiveram presentes, e a maneira de vê-las, e como os habilidosos se comportam sofreu mudanças ao longo do tempo.
Historicamente, a maior parte destes alunos não é identificada. Eles sempre foram matriculados nas escolas regulares. Sempre foram classificados conforme suas idades cronológicas e colocados em turmas que, regra geral, estão longe de atender ao nível do desenvolvimento real que apresentam ou teriam condições de acompanhar.(DELOU, 1985)
Durante um bom tempo os habilidosos foram considerados privilegiados, pessoas que ocupariam cargos públicos, seriam uma elite social, formando uma classe de intelectuais, governantes, mas com o passar do tempo começaram a ser alvo de discriminação, e passaram a ter vergonha dos seus talentos, até de tirar notas altas nas escolas. Hoje continuam lá, nas escolas, no entanto, muitas vezes disfarçando seus talentos. (DELOU, 2014)
Alunos com altas habilidades/superdotação podem ser trabalhosos para os professores, pois podem ter ritmos de aprendizagem diferente dos demais. Precisam ser motivados, valorizados e mantidos interessados, principalmente em escolas de classes populares, pois tendem a abandonar a escola por volta dos doze anos. Se não são adequadamente trabalhados acabam “sendo cooptados pelo desvio social, pela marginalidade, pelo tráfico de drogas.” (DELOU, 2014)
Muitos talentos continuam não sendo estimulado a desenvolver seu potencial, mantendo-se à margem do processo educacional. Para garantir o Atendimento Educacional Especializado (AEE) é preciso que o aluno seja identificado, tornando-se visível, para que, só então, possa receber orientações e condições que permitam e estimulem o desenvolvimento de seu talento. (BORBA, 2015 p.5)
Considerando que, em um primeiro momento, os alunos com altas habilidade/superdotação precisam ser identificados, para que se tenha a noção exata do tamanho desta população, para estabelecer o que é preciso para atender a este público, o movimento inicial é preparar professores para a tarefa de identificar os alunos que apresentem AH/SD.
Esta preparação pode ser em forma de capacitação de AEEs e Pedagogos que já atuam nas escolas, e podem por sua vez, serem os multiplicadores em suas respectivas escolas com o corpo docente.. O instrumento de avaliação a ser utilizado pode ser a Lista Base de Indicadores de Superdotação – Parâmetros para observação de alunos em sala de aula, da Professora Dra. Cristina Maria Carvalho Delou, disponível neste site, que foi desenvolvido por mim como parte da dissertação de mestrado em Diversidade e Inclusão, ou diretamente na internet, embora existam outros instrumentos que também podem ser disponibilizados.
A partir deste levantamento, que pode ter estabelecido como duração alguns meses, se poderá ter ideia da quantidade de alunos com talentos em cada área, para então se estabelecer a sequência de ações para melhor atendimento dos alunos com AH/SD identificados.
O indivíduo altamente capaz poderá exibir uma ou mais inteligências e não necessariamente todas elas. As oito inteligências são: (a) lingüística – habilidades envolvidas na leitura e na escrita; (b) musical – habilidades inerentes a atividades de tocar um instrumento, cantar, compor, dirigir uma orquestra; (c) lógico-matemática – habilidade de raciocínio, computação numérica, resolução de problemas, pensamento científico; (d) espacial – habilidade de representar e manipular configurações espaciais; (e) corporal-cinestésica – habilidade de usar o corpo inteiro ou parte dele em desempenho de tarefas; (f ) interpessoal – habilidade de compreender outras pessoas e contextos sociais; (g) intrapessoal – capacidade de compreender a si mesmo, tanto sentimentos e emoções, quanto estilos cognitivos e inteligência; (h) naturalística – habilidade de perceber padrões complexos no ambiente natural. (FLEITH, 2007, p. 45)
Várias ações são possíveis dentro da própria unidade escolar como enriquecimento e aprofundamento curricular, suplementação, adequação curricular, aceleração de estudos, monitorias, desde que haja a identificação, professores preparados para entender e atender às necessidades de serviços educacionais diferenciados para estes alunos.
Hoje temos uma legislação que “garante direitos educacionais avançados e que reconhece as suas singularidades escolares”, e ao mesmo tempo, temos educadores que ainda “resistem a compreender a diversidade de seu alunado”. (DELOU aput FLEITH, 2007)
Uma equipe de apoio precisará ser formada para orientação e planejamento de ações junto aos professores das unidades escolares, até que estas possam incorporar em seus projetos políticos pedagógicos as ações que melhor atendam às necessidades dos alunos da unidade, pois é preciso estar atento para que o processo de identificação não seja para rotular o aluno, e sim estabelecer as intervenções pedagógicas necessárias ao atendimento a este público.
Em síntese, desde uma perspectiva educacional, a identificação deve ter como finalidade o conhecimento das características individuais de todos e de cada um dos alunos, para que as diferentes formas de aprender pos-sam ser respeitadas.(VIEIRA aput PAVÃO, 2018 p.97).
Podem ser estabelecidos convênios e parcerias com instituições que já detêm um conjunto de conhecimentos práticos nesta área, e apresentam sucesso em seus resultados, inclusive com alunos de classe popular, como por exemplo o Ismart (Instituto Social para Motivar, Apoiar e Reconhecer Talentos), o IRS (Instituto Rogério Steinberg), sendo que este último trabalha também com crianças em situação de vulnerabilidade na cidade do Rio de Janeiro.
Parcerias precisarão ser estabelecidas com as Secretarias de Saúde, já que muitos de nossos alunos, sempre estiveram na escola regular sem atendimento adequado, e foram acumulando questões emocionais, psicológicas, diagnósticos equivocados. As famílias muitas vezes não sabem lidar com as questões das AH/SD, e precisam muito de esclarecimentos, e amparo do serviço social e de saúde mental.
A família precisará estar alinhada com a escola e com o serviço de saúde, no sentido de atender da melhor forma possível às necessidades dos habilidosos. É preciso que se pense em algum tipo de apoio às famílias, em caso de deslocamento, na sensibilização em relação a alguns comportamentos , no entendimento e aceitação de possíveis adequações curriculares ou acelerações.
Portanto, é fundamental que tanto a família quanto a escola reconheçama importância de realizarem um trabalho cooperativo, uma vez que cada uma dessas instituições têm um papel fundamental na vida do filho/aluno com AH/SD, papéis diferentes, mas que se complementam. (PAVÃO, 2018 p.167)
Um grande aliado que temos são as Universidades, produtoras de conhecimentos já reconhecidos nacionalmente sobre o assunto. Algumas parcerias podem ser feitas com instituições especializadas, que promovem atividades, simpósios, palestras.
Outro recurso a ser pensado, são as salas próprias para AH/SD, centros especializados destinados a desenvolver propostas para este público. Podem funcionar em contraturno, a exemplo das salas de recursos multifuncionais, e em polos de acordo com a demanda apurada.
Tudo pode estar apoiado pelo NAAH/S (Núcleo de Altas Habilidades/Superdotação), que foram implementados nos estados pelo MEC, em parceria com as Secretarias Estaduais de Educação, em 2006.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Temos um número de alunos com AH/SD expressivo, que não têm tido seus talentos identificados, e consequentemente, não têm o atendimento adequado, que lhes é garantido por lei.
A iniciativa de se olhar para este público-alvo da Educação Especial, mesmo que tardiamente, é de extrema importância para a inclusão destes alunos.
É preciso, portanto, que os profissionais das várias áreas, que se envolvam neste propósito, busquem o diálogo, as trocas a respeito de suas práticas, o estudo constante e cada vez mais focados no objetivo maior que é o atendimento às demandas específicas destes alunos, para o seu desenvolvimento pleno, e para que possam realmente serem incluídos no processo educativo, e posteriormente na sociedade de forma produtiva e cidadã.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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BAIO, Cintia. Superdotados são bons em tudo? Conheça oito mitos e verdades. Colaboração para o UOL, em São Paulo 08/04/2016 Fonte: http://educacao.uol.com.br/listas/superdotad os-sao-bons-em-tudo-conheca-oito-mitos-everdades.htm – Acesso em Outubro de 2016.
BORBA, Renata S. Teixeira, LEHMANN, Lucia de Mello e Souza. O Esconde-Esconde das Altas Habilidades na Educação Brasileira. IN: LIMA, Neuza Rejane Wille, DELOU, Cristina Maria Carvalho (org). Pontos de Vista em Diversidade e Inclusão. Niterói, RJ: ABIDin, 2016.
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LEAL, Maria das Mercês Palmier Altas habilidades nos anos iniciais do ensino fundamental: um estudo sobre o olhar dos professores, dissertação de Mestrado Profissional em Diversidade e Inclusão, Niterói; UFF, 2018.
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